
Tá certo que no dia do sorteio das
vagas foi um pegapracapar que até
questionaram a localização dessas vagas. Defenderam que elas deveriam entrar no
sorteio e que rezassem para cair próximo ao edifício. Felizmente, o bom senso
venceu e as vagas foram estrategicamente colocadas próximas às portas de
entrada.
Além disso, investimos também em
atividades físicas para esses moradores especiais. Quer dizer, o custo é zero,
não chega a ser um investimento, mas um incentivo. Quer dizer, não é bem um
incentivo, é um imperativo, uma obrigação. Funciona mais ou menos assim: o cara
compra o apartamento no térreo porque é da cota de acessibilidade; a vaga é
pintada com aquele símbolo azul e branco, bem próxima à porta; a construtora põe
uma rampa praticamente saindo da porta do prédio, mas a outra ponta da rampa
fica há uns duzentos metros da vaga. Você precisa atravessar todo o
estacionamento para acessar a rampa com sua cadeira – a menos que ela venha
equipada com o modo Off-road 4x4, para atravessar o gramado, os pedregulhos e
escalar o morro que separam o estacionamento do edifício.
É interessante o conceito. A construtora
deu todo o suporte e infraestrutura para que os condôminos pratiquem
exercícios. Imagina: o cara sai com a cadeira de rodas, vai até lá na frente e
volta, percorrendo uns quatrocentos metros por dia, só para entrar no carro que
está há menos de três metros da sua porta. Só me intriga pensar no caso dele
esquecer as chaves do carro. Outra coisa é a falta de espaço nas laterais. Acho que eles se arrastam para sair pelo porta-malas.
Juro que um dia vi um deles bater
recordes de velocidade para fugir da chuva, já que a rampa fica a céu aberto.
Só acho injusto ele poder passar dos vinte quilômetros por hora e a gente não.
Aliás, é impressionante a
perseverança do seu Olavo, morador do sétimo andar que teve um derrame. Ele
agora precisa de um andador para se locomover. Todos os dias ele sobe e desce a
rampa para se exercitar. Deduzo que sejam orientações médicas, já que ele não consegue
mais falar. Ato realmente heroico se pensarmos que ele leva uns cinco minutos
para percorrer um metro, vezes quatrocentos (ida e volta da rampa), dá quase
trinta e quatro horas de caminhada! Nunca consegui acompanhar a volta completa.
Já me sentei na sacada por algumas vezes, mas caio no sono em poucos minutos. Qualquer
dia passo de carro e ofereço carona para agilizar.