A menina tinha uns dez anos de idade, chegou em frente à sala, respirou fundo e bateu na porta:
-Sr. Diretor, quero fazer uma reclamação.
-Pois não, pode entrar. O que está acontecendo?
-Os meninos da sala ficam me chamando de Julia.
O diretor franziu a testa, encolheu os ombros. E procurou as palavras em volta, como se estivessem escritas nos armários e paredes da direção. Era uma situação muito incomum na escola.
-Mas, se não me engano, seu nome é esse mesmo, certo?
-Era! Não é mais.
-Como assim? Você mudou de nome?
-Sim, agora me chamo Thundercats.
-Thundercats? Como assim? O grupo inteiro, ou algum personagem do desenho?
-Thundercats, bem assim, só isso.
O diretor não entendia. Criança sempre inventa coisas assim, quer mudar de nome igual ao do super-herói, fantasiar, brincar. Esse reclamante estava na quarta série, portanto ainda estava na faixa de idade para brincadeiras e fantasias, mas mudar o nome? Isso era estranho, ainda mais se tratando de um nome do grupo, não de um personagem específico. Dali a pouco entraria alguém querendo se chamar Liga da Justiça!
-Mas por quê você quer mudar? Julia é um nome tão bonito. Além do mais, Thundercats inclui homens e mulheres!
-Tá, mas eu prefiro Thundercats. É muito melhor. É questão de identidade, auto-estima e reconhecimento.
A fama da menina era realmente de ser eloqüente, inteligente e argumentadora. O próprio diretor já havia visto videos na internet de menina que questiona a cor rosa, menino que questiona comer polvo, já estava preparado para lidar com pequenos prodígios, mas nunca havia necessitado argumentar com um deles. Ainda mais no trabalho.
-Certo, Julia...
-Thundercats!
-Certo, Thundercats. Percebo que você é muito inteligente e aprendeu muito com a palestra de ontem.
-Isso mesmo, não me sinto Julia, me sinto Thundercats.
A palestra, sobre diversidade e questões de gênero, foi sugestão dos próprios pais. A escola atendia uma clientela de pessoas cultas e inteligentes.
-Eu aprendi sobre respeito à diversidade - continuou - sobre aceitar e respeitar o nome que o transexual adotava, como forma de reconhecimento da identidade. Eu não sou transexual, mas não me sinto Julia.
A menina era astuta, como o diretor poderia contrariar sua vontade depois de tanto trabalharem o assunto?
-Bom, concordo com você, que devemos respeitar sua vontade e aceitar o nome que você escolher, mas tem um pequeno probleminha.
-Qual?
-O nome Thudercats é uma marca, um produto e tem um dono, se você quiser usá-lo, terá que pagar direitos autorais.
-Direitos autorais?
-Claro, é como uma marca, se você quiser pode se chamar Nike ou Adidas, mas terá que pedir autorização da marca e pagar uma boa grana pra eles!
-Muito?
-Ixi, você nem imagina, acho que você ficaria uns três natais sem presentes!
-Sem presente? E aniversário?
-Sem prensente também, nem no dia-das-crianças!
-Três?
-Isso. Ou quatro.
A menina voltou pra sala pensativa, sentou ao lado da Maria Eduarda e falou:
-Duda, se Thundercats custa três ou quatro anos, acho que X-Men vai te custar uns dez...
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