Google+ O Riso e o Siso: 2015

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Vida de condomínio: entidades do além

Exu Tranca-pauta
Uma entidade que todo mundo conhece, mas não sabia, está assolando meu condomínio há alguns meses. É uma entidade forte - se fosse RPG seu dano seria medido com um D20 - dessas que só Preto Velho conseguiria expulsar, mas ela não é de umbanda, é cristã mesmo, principalmente em ano de eleição: o Exu Tranca-pauta. Uma entidade malígna que assola governos e diretorias baixou no corpo diretivo do condomínio.

O primeiro sinal de possessão foi a convocação para uma reunião sobre o controle de velocidade do condomínio. O limite de 20km/h não estava sendo respeitado então decidiram colocar placas baixando para 10km/h. Quando questionados o que, cargas dágua, fariam respeitar uma placa de dez se a de vinte não era respeitada, só não responderam "porque sim" pela idade mental, ainda não atingiram essa fase. Disseram que com a de vinte estavam andando a sessenta, a de dez então inibiria essa velocidade! Mas por que não um limitador de velocidade? Se não houver, quem garante que andarão a 10km/h?
-Ah as pessoas precisam ter bom senso.
Mas não tinham bom senso com vinte! O que mudou?
Bom, a história do limitador de velocidade levantou outra questão. Não há dinheiro em caixa para isso. O que levou ao questionamento sobre o destino do fundo de caixa que havia. A resposta foi uma nova reunião marcada. Eleição para síndico. Após uma reunião para determinar o conselho que iria presidir e fiscalizar a eleição.
Delegados eleitos, conselho formado, o novo síndico prometeu, em campanha, reduzir os custos. Nada foi dito sobre a verba desaparecida. Rolou buxixo sobre uma conta na Suiça, mas o presidente do conselho negou tudo. Então respiramos aliviados e ele permaneceu no cargo.
Seguindo a política de austeridade, outra reunião foi feita para determinar quais cargos seriam cortados do conselho. Havia pelo menos três aspones que caíram e, para aprofundar a política de austeridade, uma comissão permanente de estudos para desburocratização foi criada, com sete delegados, encarregada de propor mudanças que agilizassem o funcionamento do condomínio. Logos eles determinaram a necessidade de compor um conselho bicameral com presidente comum para ambas eleito num processo diferenciado que garantisse participação ampla. Parece que a assembleia de condomínio não era suficiente.
Mais uma comissão foi proposta para estudos e deliberações sobre o trânsito local. Tudo no intuito de agilizar o tráfego, promovendo a segurança e bem-estar dos condôminos.
A comissão responsável detectou a impressionante marca de uma média de dez carros por hora circulando o que, por vezes, causava certo congestionamento num cruzamento. Apontaram a necessidade de controle de fluxo. Compraram placas de "sentido obrigatório", espalharam cones e fizeram uma bela campanha no circuito interno de TV, o canal da segurança.
Quando já estávamos quase adaptados ao novo sistema, a comissão, que "não dorme no ponto", e estava afoita para mostrar sua utilidade e evitar cortes para a austeridade, decidiu que o ideal seria mudarem o sentido de fluxo para melhor utilizar o movimento de rotação da Terra, supostamente reduzindo o consumo de combustível e emissão de poluentes. Sem avisos, um carro alugado, com giroflex e dois agentes de trânsito internos apareceram trocando as placas antigas. Os condôminos que se dirigiam para a saída ou para a sua vaga foram pegos de surpresa.
Foram multados no rigor da lei.
Naquele mês as três multas aplicadas renderam aumento no caixa. Um incentivo para maiores incursões de caça aos infratores. 
Logo alugaram radares, instalaram semáforo e abriram concurso para agentes de trânsito. 
Nosso condomínio está parecendo uma metrópole. Com meia dúzia de moradores. Já cogitei chamarmos o Padre Quevedo pra ajudar a exorcizar o povo.
Logo haverá aparato repressor militarizado. Porque condômino devedor bom é condômino devedor morto!

domingo, 26 de julho de 2015

FICO - Festival Internacional do Coxinha

Muito cômica a paródia com os Festivais da década de 60, que passou na Globo.  
"Cheio de pompa e circunstância os apresentadores anunciam a abertura do FICO- Festival Internacional do Coxinha, o primeiro festival musical de apoio à volta da ditadura."


Parece que a Globo resolveu investir no humor de verdade. O programa "Ta no Ar" já vinha mostrando qualidade interessante, piadas inteligentes e muita ironia, diferentemente daquele pastelão preconceituoso com que o canal nos brindava todo sábado à noite. O humor de bordão e trocadilhos parece estar dando lugar a uma nova concepção.
O programa Zorra Total foi rebatizado como Zorra e mudou para uma pegada mais crítica e satírica. 

"Um dos criadores do “Tá no Ar” e responsável pelo novo “Zorra”, o humorista Marcius Melhem defende que o humor tem a obrigação de adotar posturas progressistas e tomar posições. Por este motivo, ele revelou que proíbe piadas com conteúdo homofóbico no programa exibido aos sábados na Globo."

Esse Marcius Melhem parece ter ideias interessantes! Cria expectativas...



http://mauriciostycer.blogosfera.uol.com.br/2015/07/10/no-zorra-e-proibido-piada-homofobica-conta-marcius-melhem/

http://www.revistaforum.com.br/mariafro/2015/07/25/o-dia-em-que-zorra-total-na-globo-fez-humor-politico-de-qualidade/

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Abolitúria da Escravatite

Como falar de direitos civis para aqueles que não aceitam o fim da escravidão?

Frequentemente inflamam notícias de trabalho escravo por aí. É uma pequena infecção no intestino. Cadê a abolição? Comemoramos o 1º e o 13 de maio sem panaceia nem muita reflexão. Tudo vira samba, tipo exportação. O médico consola o paciente moribundo com um "podia ser pior".

O patrão mandou beber uísque com feijoada, very good macacada...

Este não é meu, e nem poderia pois é de um gênio. E já tô numas que nem minha mãe acha isso de mim. Só o título da postagem o é...


Bons dias! 

Eu pertenço a uma família de profetas après coup, post factum, depois do gato morto, ou como melhor nome tenha em holandês. Por isso digo, e juro se necessário fôr, que tôda a história desta lei de 13 de maio estava por mim prevista, tanto que na segunda-feira, antes mesmo dos debates, tratei de alforriar um molecote que tinha, pessoa de seus dezoito anos, mais ou menos. Alforriá-lo era nada; entendi que, perdido por mil, perdido por mil e quinhentos, e dei um jantar.

Neste jantar, a que meus amigos deram o nome de banquete, em falta de outro melhor, reuni umas cinco pessoas, conquanto as notícias dissessem trinta e três (anos de Cristo), no intuito de lhe dar um aspecto simbólico.

No golpe do meio (coup du milieu, mas eu prefiro falar a minha língua), levantei-me eu com a taça de champanha e declarei que acompanhando as idéias pregadas por Cristo, há dezoito séculos, restituía a liberdade ao meu escravo Pancrácio; que entendia que a nação inteira devia acompanhar as mesmas idéias e imitar o meu exemplo; finalmente, que a liberdade era um dom de Deus, que os homens não podiam roubar sem pecado.

Pancrácio, que estava à espreita, entrou na sala, como um furacão, e veio abraçar-me os pés. Um dos meus amigos (creio que é ainda meu sobrinho) pegou de outra taça, e pediu à ilustre assembléia que correspondesse ao ato que acabava de publicar, brindando ao primeiro dos cariocas. Ouvi cabisbaixo; fiz outro discurso agradecendo, e entreguei a carta ao molecote. Todos os lenços comovidos apanharam as lágrimas de admiração. Caí na cadeira e não vi mais nada. De noite, recebi muitos cartões. Creio que estão pintando o meu retrato, e suponho que a óleo.

No dia seguinte, chamei o Pancrácio e disse-lhe com rara franqueza:
– Tu és livre, podes ir para onde quiseres. Aqui tens casa amiga, já conhecida e tens mais um ordenado, um ordenado que…

– Oh! meu senhô! fico.

– …Um ordenado pequeno, mas que há de crescer. Tudo cresce neste mundo; tu cresceste imensamente. Quando nasceste, eras um pirralho dêste tamanho; hoje estás mais alto que eu. Deixa ver; olha, és mais alto quatro dedos…

– Artura não qué dizê nada, não, senhô…

– Pequeno ordenado, repito, uns seis mil-réis; mas é de grão em grão que a galinha enche o seu papo. Tu vales muito mais que uma galinha.

– Justamente. Pois seis mil-réis. No fim de um ano, se andares bem, conta com oito. Oito ou sete.

Pancrácio aceitou tudo; aceitou até um peteleco que lhe dei no dia seguinte, por me não escovar bem as botas; efeitos da liberdade. Mas eu expliquei-lhe que o peteleco, sendo um impulso natural, não podia anular o direito civil adquirido por um título que lhe dei. Êle continuava livre, eu de mau humor; eram dois estados naturais, quase divinos.

Tudo compreendeu o meu bom Pancrácio; daí pra cá, tenho-lhe despedido alguns pontapés, um ou outro puxão de orelhas, e chamo-lhe bêsta quando lhe não chamo filho do diabo; cousas tôdas que êle recebe humildemente, e (Deus me perdoe!) creio que até alegre.

O meu plano está feito; quero ser deputado, e, na circular que mandarei aos meus eleitores, direi que, antes, muito antes da abolição legal, já eu, em casa, na modéstia da família, libertava um escravo, ato que comoveu a tôda a gente que dêle teve notícia; que êsse escravo tendo aprendido a ler, escrever e contar, (simples suposições) é então professor de filosofia no Rio das Cobras; que os homens puros, grandes e verdadeiramente políticos, não são os que obedecem à lei, mas os que se antecipam a ela, dizendo ao escravo: és livre, antes que o digam os poderes públicos, sempre retardatários, trôpegos e incapazes de restaurar a justiça na terra, para satisfação do céu.
Boas noites.

Texto extraído do livro Assis, Machado de. Obra Completa, Vol III. 3ª edição. José Aguilar, Rio de Janeiro. 1973. p. 489 – 491.

http://www.revistaforum.com.br/blog/2015/05/a-fina-ironia-de-machado-de-assis-sobre-a-abolicao-da-escravatura/