Google+ O Riso e o Siso: julho 2014

segunda-feira, 28 de julho de 2014

O rei e o banho

Era uma vez um rei que, todo mundo sabe, não morava no Brasil, porque aqui não tem rei, e ninguém conhece esse rei por aqui, então qualquer coincidência é mera semelhança.
E esse rei tinha três helicópteros, quer dizer, o Estado que ele governava os tinha, porque foi comprado com dinheiro público. Mas esse rei tinha uma rainha, como toda história de rei que se preze. E essa rainha era tratada como uma princesa, como toda rainha que se preze. Ela tinha vestidos caros, de trinta mil reais, ganhados de amigos desinteressados, ou comprados com o salário de trinta mil reais que seu marido ganhava enquanto oitenta porcento da população ganhava setecentos reais.
Contudo, não vou ficar falando de salários porque não sou invejoso. Vou contar que essa bela família vivia num palácio e, para todo lugar que o rei fosse, ia de helicóptero. E o rei já ocupava o trono há mais de vinte anos. E do alto a cidade ficava cada vez mais bonita, com cada vez mais carros, que ele admirava, contava, brincava de identificar as marcas lá do alto. E ele já estava ficando craque nisso, principalmente em carros importados e de luxo. Ele sempre acertava na mosca e vencia a disputa, ou talvez seus acompanhantes erravam propositalmente para agradá-lo. E isso não o incomodava pois, cada vez mais, estava convencido de sua infalibilidade: mais cedo ou mais tarde ele ganharia a disputa, pensava.
E, enquanto a cidade crescia, ele percebia que seu povo já não andava mais pelas ruas. Cada vez menos pessoas andando a pé, às vezes apenas umas poucas, com andar apressado. E um dia ele leu que em seu pequeno país, havia o maior tráfego de helicópteros do mundo. E julgava que seu governo era tão bom que as pessoas já não precisava mais andar a pé, todos estavam muito bem financeiramente e andavam de carro ou helicóptero.
Lá do alto não se via assaltos e sequestros, nem buracos no asfalto, nem meninos cheirando cola nas praças, nem pedintes no semáforo, nem flanelinhas, nem carroceiros, nem o malcheiro do esgoto a céu aberto, poluindo o rio que cortava a cidade. Então seu reinado estava bom.
E assim eles viviam felizes para sempre.
Até o dia em que sua amada rainha resolveu que, além de vestidos caros e eventos sociais suntuosos, ela queria também amor, carinho. Mas o rei, onipotente, infalível e autocentrado comportava-se de forma estranha. Passava horas frente ao espelho, beirava o mito de Narciso. Acreditava quando vencia seus súditos em importantes desafios de soletrar, adivinhar marcas de carros e leitura de pensamentos durante suas viagens de helicóptero. Ele até se achava o mais veloz da cidade quando, imaginariamente, disputava com os carros congestionados quem chegava primeiro na próxima esquina.
Mas acontece que o rei estava fugidiço, quanto mais a rainha investia, mais ele se esquivava. Ela tentava seduzi-lo, ele bradava um discurso anticorrupção. Ela cobrava carinho, ele abafava a CPI. Ela implorava por um banho juntos, românticos, ele recorria à frieza da lei. Fugia tão fugido do tal banho que desistiu de investimentos em captação e abastecimento de água. O assunto lhe dava ojeriza. Declarou estado de emergência com a estiagem. Procurou no Clima Tempo a previsão de chuvas e comemorou. Ameaçou multar quem gastasse água e isso lhe deu ar de político sério e austero. “Nada de banho juntos, temos que dar o exemplo economizando água”, era a desculpa ideal.
A rainha estava desconsolada, sentia um fogo subindo pelos joelhos. Não aguentava aquela seca - e aqui a palavra tem duplo sentido. Encomendou até uma sessão de descarrego no novo Templo de Salomão. Pensou no seu direito de esposa, na necessidade de sentir-se mulher, resolveu que na hora do jantar protestaria contra aquela situação, mas logo desistiu: seu marido cuidava disso com bombas e balas de borracha.