A obra de arte, que deveria logo estar "disponível", como dizia o e-mail, não apareceu. Continuei minha rotina, cansada, suada, desgastada, de limpar os pés num capacho qualquer. Um capachinho simples de vinil, prático e eficiente na porta de entrada, daqueles que parecem pelos pubianos de borracha.
Capacho de vinil |
Dois meses se passaram e, de entrada no meu prédio, cruzo com o síndico, sorridente, estufado, pomposo saindo do elevador:
-Bom dia. E aí seu síndico, quando vamos ter o famoso tapete a ornamentar nosso humilde condomínio?
-Mas ele já está ali, meu rapaz. Você não viu?
Congelei embasbacado. Era pegadinha? Como podia, eu passei pelo tapete e não o vi? Busquei rapidamente refazer meu caminho com os olhos, não o encontrei, busquei as paredes (tem gente esquisita que gosta de pendurar tapetes em parede), também nada, comecei a me desesperar, haveriam-no roubado, antes mesmo que eu tivesse desfrutado de sua beleza? Não era possível. Cogitei, pela sua beleza e funcionalidade sem igual, ser algo destinado aos deuses e, por isso, invisível aos olhos humanos. Não sei, não sabia, não saberei, a crise existencial me tomou violentamente, eu já tentava lembrar o telefone do meu analista quando ouvi:
-Aquele ali, ali mesmo...
Venci a vertigem e recobrei os sentidos.
-Você limpou os pés nele quando entrou.
-Você tá falando do tapete de pentelhos?
-Como é?
-Você tá falando do capacho, velho, gasto, que está aí há tempos?
-Como assim? O tapete é bom! Só percebemos o valor da água depois que a fonte seca.
-Pela fortuna que você gastou, bom não basta!
-Hã? Lembre-se meu jovem: beleza não põe a mesa.
-Mas...
-A palavra é prata, o silêncio é ouro.
Entrei no elevador. Ele demorou a fechar a porta. Saí e subi dez andares de escada, de tão consternado que fiquei. Não consegui me lembrar de nenhum provérbio que o mandasse para puta que pariu. Há momentos em que a sabedoria popular é polida demais.