Google+ O Riso e o Siso: Sobre lobos e Camparis

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Sobre lobos e Camparis

yamaha cinquentinha
Foi assim, quase como uma cena de faroeste. Só que sem cavalos. E no lugar de cavalos, motos. Só que também sem armas. E no lugar de armas, a língua afiada. E também sem aquele capinzinho voando atravessando a rua. Se bem que era um lugar tão estranho que era capaz de ter, sim, esse capinzinho!
Bom, o caso é que o cenário era meio em sépia, e tinha um ar de velho-oeste, no interior de São Paulo.
Os dois chegaram em suas motos. Que na época eram mini-yamahas, de cinquenta cilindradas. Tudo bem, eu sei que cinquenta cilindradas é algo broxante... Praticamente uma enceradeira com rodas. Mas era "A Enceradeira"! E, para a época, local e personagens, era o melhor que se podia arrumar.
Eles chegaram de longe, quer dizer, não tão longe, mas a velocidade era baixa, então a viagem demorou uma vida. Traziam no corpo o pó da viagem, porque na época era o único pó que se carregava. O de café ficava em casa. Estavam sedentos por novas aventuras, por novas paisagens, e por uma dose de Campari. Porque naquele tempo não havia bafômetro.
Estacionaram suas motos na porta do bar, não colocaram cadeado, porque naquele tempo e naquele tipo de cidade não era necessário, o barulho e a fumaça dos motores dois tempos calaram a clientela e eles entraram arrastando consigo os olhares.
O clima estava hostil. "Finalmente, um lugar onde me sinto em casa", murmurou um deles. Sabiam, pela experiência, que não poderiam fraquejar. Estavam ali, naquela vizinhança pacífica, mas a qualquer hora uma briga violenta e generalizada poderia se desenrolar. As mesas repletas de casais e crianças eram apenas disfarce. "Encenaçãozinha barata", pensou o outro. Fizeram cara de mau, andando com pernas e braços arqueados para dar impressão de mais músculos. Aquela cara de mau faria qualquer um tremer. Cara de bandido mesmo, daqueles que bebe leite no bico e bate na mulher por esporte. A Suzana Vieira teria se apaixonado.
Para eles, no fundo, essa cidadezinha pacata e sem crimes era um poço de maldades e violência, pronta para explodir. "E explodiria na cara de quem menos esperasse", alguém pensou em voz alta.
-Oi, desculpe, como é? O que você disse?, perguntou a balconista.
-Hã? Eu? Eu não disse nada. Não disse nada. Você falou alguma coisa?, virando-se ao parceiro.
-Não, nop, eu não, nadica de nada.
-Posso lhe servir em algo?, retrucou a balconista.
Aquela dissimulada! Quem era ela para se portar daquela forma inquisidora? A odiosa mania de te cercar com perguntas e induzi-lo ao erro. Não se deixariam vencer pelo tom amigável da sua voz.
-Me vê duas doses separadas de Campari.
-Não tem.
-Você sabe o que é Campari?
Ela balançou a cabeça. Ele apontou para uma garrafa empoeirada no alto da prateleira.
-Quanto é?
-Ah, não sei. Deve ser o preço da cachaça, né?
Como assim? Um Campari com preço de cachaça? Essa mulher é insana? Aí tem...
-E quanto é a cachaça?
Ela apontou, acintosamente, para a placa de preços.
-Mas ali tá em Cruzeiro! Essa placa é do tempo do Getúlio Vargas!
-Ah, desculpe, é que eu não sei ler direito. Só estou tomando conta um minutinho para o seu Felizbino que foi alí buscar mais gelo.
Ótimo, ia ser Campari sem gelo, pra sangrar a garganta seca, e o preço errado. Mas aquela matreira não os enganaria... aquela desculpinha de que não sabia ler e aquele sorrisinho no rosto não seriam emboscadas. Os dois descofiavam de rabo de olho. Ela foi chamada para cobrar as doses. Eles desconfiavam dos cálculos, antes mesmo de serem feitos. Cobrou mesmo como duas doses de cachaça, talvez mais barato, até.
Os dois "foras-da-lei" saíram do bar montaram em suas motos e retomaram a estrada para mais aventuras. A consciência pesada por terem enganados uma analfabeta... Esse mundo era mesmo o mundo-cão...

Clique aqui para a continuação...

5 comentários:

  1. Boa Américo.

    Está a cada dia melhor. Queria ver onde esses dois vão parar.
    Vou compartilhar na Gaveta.

    Abração.

    ResponderExcluir
  2. Valeu Emerson! Essa pede continuação né? kkk
    valeu pelo feedback

    ResponderExcluir
  3. Oi... kkk.. adorei "enceradeira com rodas"... muito bom.

    ResponderExcluir
  4. muito bom Américo!!! meu primeiro porre foi de campari e passei mal como se fosse cachaça..rsrsrs

    ResponderExcluir

Solta a língua! Deixe seu comentário para nós!!!!