Google+ O Riso e o Siso: junho 2013

terça-feira, 25 de junho de 2013

O homem do cérebro invisível




Essa é a qualidade da lógica de um desembargador, que disse, hoje, na rádio, ser a favor de julgar adolescentes infratores como adultos.
A discussão surgiu ao noticiarem um adolescente que passou dez vezes pela Fundação Casa e estava voltando mais uma. Na cabeça do desembargador isso prova que ela não recupera os adolescentes. Ótimo. O problema é a conclusão que temos que julga-los como adultos.
Cadê a sequência lógica nisso?
Claro, senhor desembargador, vamos julga-lo como adulto e por numa prisão comum. As prisões brasileiras são mundialmente reconhecidas por recuperar os presos, certo?

Ele continua o disparate afirmando que o Estatuto da Criança e do Adolescente foi criado em outra época, para sanar outras necessidades. É mais ou menos o mesmo com o cargo de desembargador: foi criado em outra época, para outras necessidades, com um supersalário de outro mundo. Seriam dois exemplos de apêndices a serem extirpados?

O raciocínio do cidadão é mais ou menos assim: Ele compra uma floricultura, não sabe cuidar nem nunca cuidou de flor. Aí ele mistura todas as flores e amontoa na meia sombra, depois fica fulo da vida porque umas estão apodrecendo, outras o furaram com espinhos, e diz que elas não prestam e que deviam ir para o lixo.

Camarada, não passou pela sua cabeça que a Fundação Casa não recupera mesmo? Nem presídio nenhum, no Brasil! Isso não é premissa para defender um julgamento como adulto, mas para mudar o sistema.

Será que ele brincava de esconde-esconde, achando que era invisível, quando criança?

Como será que ele consegue argumentar nos processos?

É esse o nível mental que ele anda por aí usando?

Não sei direito o que faz um desembargador, só espero que esse aí não me desembargue!

terça-feira, 18 de junho de 2013

Fantasias de criança

A menina tinha uns dez anos de idade, chegou em frente à sala, respirou fundo e bateu na porta:

-Sr. Diretor, quero fazer uma reclamação.
-Pois não, pode entrar. O que está acontecendo?
-Os meninos da sala ficam me chamando de Julia.

O diretor franziu a testa, encolheu os ombros. E procurou as palavras em volta, como se estivessem escritas nos armários e paredes da direção. Era uma situação muito incomum na escola.

-Mas, se não me engano, seu nome é esse mesmo, certo?
-Era! Não é mais.
-Como assim? Você mudou de nome?
-Sim, agora me chamo Thundercats.
-Thundercats? Como assim? O grupo inteiro, ou algum personagem do desenho?
-Thundercats, bem assim, só isso.

O diretor não entendia. Criança sempre inventa coisas assim, quer mudar de nome igual ao do super-herói, fantasiar, brincar. Esse reclamante estava na quarta série, portanto ainda estava na faixa de idade para brincadeiras e fantasias, mas mudar o nome? Isso era estranho, ainda mais se tratando de um nome do grupo, não de um personagem específico. Dali a pouco entraria alguém querendo se chamar Liga da Justiça! 

-Mas por quê você quer mudar? Julia é um nome tão bonito. Além do mais, Thundercats inclui homens e mulheres!
-Tá, mas eu prefiro Thundercats. É muito melhor. É questão de identidade, auto-estima e reconhecimento.

A fama da menina era realmente de ser eloqüente, inteligente e argumentadora. O próprio diretor já havia visto videos na internet de menina que questiona a cor rosa, menino que questiona comer polvo, já estava preparado para lidar com pequenos prodígios, mas nunca havia necessitado argumentar com um deles. Ainda mais no trabalho. 

-Certo, Julia...
-Thundercats!
-Certo, Thundercats. Percebo que você é muito inteligente e aprendeu muito com a palestra de ontem.
-Isso mesmo, não me sinto Julia, me sinto Thundercats.

A palestra, sobre diversidade e questões de gênero, foi sugestão dos próprios pais. A escola atendia uma clientela de pessoas cultas e inteligentes. 

-Eu aprendi sobre respeito à diversidade - continuou - sobre aceitar e respeitar o nome que o transexual adotava, como forma de reconhecimento da identidade. Eu não sou transexual, mas não me sinto Julia.

A menina era astuta, como o diretor poderia contrariar sua vontade depois de tanto trabalharem o assunto?

-Bom, concordo com você, que devemos respeitar sua vontade e aceitar o nome que você escolher, mas tem um pequeno probleminha.
-Qual?
-O nome Thudercats é uma marca, um produto e tem um dono, se você quiser usá-lo, terá que pagar direitos autorais.
-Direitos autorais?
-Claro, é como uma marca, se você quiser pode se chamar Nike ou Adidas, mas terá que pedir autorização da marca e pagar uma boa grana pra eles!
-Muito?
-Ixi, você nem imagina, acho que você ficaria uns três natais sem presentes!
-Sem presente? E aniversário?
-Sem prensente também, nem no dia-das-crianças!
-Três?
-Isso. Ou quatro.

A menina voltou pra sala pensativa, sentou ao lado da Maria Eduarda e falou:

-Duda, se Thundercats custa três ou quatro anos, acho que X-Men vai te custar uns dez...

segunda-feira, 17 de junho de 2013

A Curva do Rio

Dica muito interessante de leitura



De Carlos Biaggioli

Porto de Ideias Editora

60 páginas

Contos – Ritos de Passagem

Prefácio: Luis Alberto de Abreu

Arte: Jerusa Messina


Escritor desde a idade de 13 anos, foi em 2005 que Carlos Biaggioli se aproximou do núcleo de pesquisa “Narrativas de Passagem”, um projeto que o dramaturgo e roteirista Luis Alberto de Abreu desenvolveu na Escola Livre de Teatro, sediada no município paulista de Santo André.


Tratava-se de uma pesquisa voltada à arte da narração, tendo por base a oralidade. “O processo que resultava na história a ser narrada era algo fabuloso, que me marcou profundamente, pois partia de histórias e depoimentos muito pessoais e isso ia sendo lapidado com tanto respeito e criatividade, que acaba se tornando um bem coletivo, a exemplo do que acontece com as mais belas histórias contadas de geração para geração”, lembra Biaggioli.

Nossa sociedade, com o passar dos tempos, gradualmente se distanciou da capacidade ritual. Hoje em dia, nossos doentes são encaminhados aos hospitais e deixamos nossos mortos aos cuidados de empresas funerárias. A ideia contemporânea de morte é encarada com mal disfarçado terror – o que faz com que pessoas saudáveis tendam a uma natural tentativa de isolar e afastar essa complexa e traumática passagem Nessa tentativa de afastar a morte do convívio diário, vão para a margem da vida os doentes, principalmente os terminais. Isso não ocorre apenas com a passagem da morte – ela é apenas a mais complexa, dentre outras, como a adolescência, a vida adulta, a velhice ou situações como violência, cirurgias traumáticas, entre outras. 

“Narrar histórias é uma arte. Não basta ler palavras escritas num livro ou reproduzir palavras guardadas na memória. Narrar é guiar o ouvinte para um tempo e lugar evocados pela imaginação de ambos, criando uma atmosfera onde sonhos transformam a realidade”, define o site* do Instituto Narradores de Passagem, que realiza roda de histórias, oficinas, cursos, workshops e espetáculos.

Foi no processo de geração destas histórias que Carlos Biaggioli produziu sete dos nove contos que compõem “A Curva do Rio”, lançado em junho de 2013 pela Porto de Ideias Editora, em São Paulo.
É o próprio Luis Alberto de Abreu quem assina o prefácio do livro, segundo o qual, “o autor brinca, por vezes despudoradamente, com a fábula, com figuras mitológicas e os mistura com personagens aparentemente reais. E o estranho aqui é original, altamente positivo, pois se integra como característica narrativa que, ao contrário de destoar, torna-se elemento de composição”.

Instituições afins e pessoas físicas interessadas em adquirir o livro ou principalmente em promover o debate em torno desta temática, os ritos de passagem, podem procurar pelo autor acessando www.carlosbiaggioli.com. Carlos Biaggioli pode também ser contatado diretamente pelo (55 11) 9.7082-6200 ou pelo email biaggiolic@gmail.com.

sábado, 15 de junho de 2013

Sobre pingos nos is e pousos politicamente incorretos

Por Dr. Delfino Anfilófio Petrúcio, palhaço, paraguru filosofático de Quinta Categoria, PhD em Charme, Beleza, Elegância e Gostosura, graduado pela Universidade de Modéstia, com pós-especialização em Coisíssima Nenhuma e doutorado em Algo Mais

Como vimos no capítulo anterior, DaVinci choramingou, enfiando o rabo entras as pernas e, nem sequer ganindo aquele chororô de fome, meteu o focinho entre as patas e assim ficou. Pela primeira vez, naquele furdúncio todo que Dom Vespúcio, meu editor, jamais teve a capacidade de imaginar que um dia sua mansarda pudesse servir de cenário, o povo se uniu, misturando as falanges opositoras em uma ovação a Gandhi, trazido por dona Bherta, minha secretária, por meio da minha máquina do tempo. Assim, o silêncio se fez de forma respeitosa e deslumbrada quando o mais pop de todos os mahatmas apontou para um teco de mar ao longe, e perguntou:

– Que águas são aquelas?
– Do mar da Praia Vera Cruz, ô guru! – respondeu um gordão, rindo só com dois dentes em baixo. – Vai arriscá um mergúio, vai? – Sigam-me. Vamos tirar o sal daquelas águas...
Partimos todos em fila, atrás do líder hindu. Genecésico Fofo Pessoa, meu amigo, branco feito cera, nunca o vi assim. Suas gotículas costumeiras de suor na testa já pingavam caudalosamente.
– Calma, Fofo! Assim que eu despachar esse figurão pro seu tempo, e atender a todos os agendamentos já feitos por dona Bherta, aquela minha secretária trapalhona, eu mando essa máquina do tempo pro ferro-velho, prometo!Quer dizer, não posso fazer isso antes de desp achar Paulo...

– Qual Paulo? O Maluf?
– Credo, olha o respeito, que pode ter criança lendo esse conto...
– Então que Paulo, Delfino?
– O de Tarso...
– O das Epístolas?!
– É, coitado...
– Meu Deus do céu, que show! E cadê ele? Coitado por que?
– Mais uma vítima de dona Bherta...
– Ô, tadim...

Então, enquanto Gandhi seguia à frente do cortejo rumo às águas daquela praia imunda, decidido a ensinar aquele povo embebedado a tirar sal do mar, eu chamei para perto de mim dona Bherta, que veio acompanhada do pobre DaVinci, que já babava sem controle, tamanha era sua fome, e pedi que ela própria me ajudasse a contar a Fofo sua última travessura com minha máquina do Tempo.

– Ah, mas que bobagem, doutor. Coisica de nada!
– De nada, dona Bherta?! – retruquei eu, já enfezado por conta das gracinhas que o povo já ia tecendo acerca do grande mahatma (“cotonete de elefante!”, “cabeça de alfinete com óculos!”, “isso é que é fraldão de primeira, hein!” e asneiras desse tipo). – A senhora acha que ir até o ano 55 da nossa era e sequestrar Paulo de Tarso tenha sido uma “bobagem”, é?
– Ára, que exagero! Sequestrar! Eu salvei o homem, doutor... Achei que seria bom ele dar uma palavrinha com o senhor, que é tão letrado, bonito, elegante e charmoso... Um pitéu, deuzabencô dona Atadolfa, paiaça de sorte!
– Meu pai eterno! – atalhou Fofo – Que foi que a senhora fez com o grande Paulo, dona Bherta?
– Salvei o despreparado! – respondeu ela, estufando com orgulho o próprio peito, olhar pousado nas nuvens, certamente à espera de um coro de anjos aplaudindo-a. – Pois bem, tudo começou quando eu quis aproveitar a hora do lanchinho do doutor, que é quando ele vai até o Botequim Solar tomar uma dose dupla de sol da tarde sem gelo e com duas rodelas de limão, pra dar um pulinho rápido lá atrás e colocar uns bons pingos nos is...
– Voltar pra onde, dona Bherta?! – perguntou Foro, empenhado em desencalacrar DaVinci, que, na sua perna direita, buscava um pouco de prazer para compensar o vazio do estômago.
– Ah, seu Fofo! O senhor acha mesmo que eu ia perder a chance de salvar aquele rapaz daquilo tudo?
– Rapaz?...
– Sim, Fofo, Ele mesmo, o próprio! – atalhei eu, rapidamente, já sentindo o ar impregnado do cheiro horroroso que vinha daquele mar assassinado pelo esgoto, coisa que, aliás, o próprio Gandhi já parecia ter notado, já que parara a Marcha e tamborilava o próprio carecão com as pontas dos dedos da mão esquerda...
– Como eu não tinha muito tempo, seo Fofo, planejei tim-tim-por-tim-tim, pra dar tudo certinho de estar de novo na recepção do consultório antes do doutor voltar do intervalo, porque a consulta seguinte ia ser do seo Dom Vespúcio, que andava muito deprimido com as injustiças do mundo...
– Vá logo ao ponto, dona Bherta, que não temos a tarde toda! – esbravejou Fofo Pessoa, surpreendendo até mesmo a mim, que o conheço a quatro existências... e meia! Até DaVinci se desvencilhou e abandonou sua perna...
– Bem, minha ideia era chegar de mansinho no Jardim das Oliveiras e botar um sonífero na taça de vinho do seo Judas Iscariotes... mas...
– Mas?
– Eu vivo dizendo pro doutor que tá na hora de mudar as lentes do meu óculos, né mesmo, doutor Delfino?
– Ela digitou o ano errado e foi parar no 55, Fofo! Saiu andando às tontas e deu de cara com Tarso, que acabara de escrever sua primeira carta e ia passar ao passo seguinte, como era de seu hábito, que era ler em voz alta antes de despachar ao seu destino...
– O senhor vê, né, seu Fofo, como é que é o Destino... Não é que eu tropecei numa pedra, esbarrei no pobre do homem, nós dois perdemos o equilíbrio e caímos juntos dentro da máquina do tempo bem na horinha exata que ele ia começar a ler a tal da carta que ele tinha escrito?
– Meu Deus! Onde é que vocês dois vieram parar?
– Na sede da torcida Mancha Verde, Fofo – atalhei eu, já impaciente e constrangido com o mal súbito que Gandhi acabou sofrendo por conta do mau cheiro do mar – Foi bem no meio da Mancha Verde, que o coitado do Paulo de Tarso bradou a plenos pulmões: “SALVE, Ó, CORINTIOS!!!”...
– Jesus-Maria-José!... E onde está ele agora...
– Internado na Santa Casa, doutor... – respondeu dona Bherta, encabulada.
– Na ala do SUS, Fofo!
Sem que ninguém conseguisse contê-lo, e seguido por DaVinci, enamorado de sua perna direita, Genecésico Fofo Pessoa saiu correndo em direção ao mar...

(to be continued)

* Palhaço Delfino é o alter-ego do escritor Carlos Biaggioli (biaggiolic@gmail.com)

terça-feira, 11 de junho de 2013

Rótulos na testa



O homem entrou algemado na sala de interrogações. Com as mãos para trás foi posto numa cadeira de uma mesinha no centro. Sobre a mesa pendia uma luminária que focava a luz apenas para baixo, deixando todo o resto da sala na obscuridade. Não se via, mas percebia-se que havia mais gente em pé em volta da mesa preenchendo as sombras nos cantos da sala.

O delegado entrou, pisando firme, arregaçando as mangas, era enorme, só se via sua linha de cintura, mas ele bufava.

-É esse o vagabundo?
-Sim, senhor – disse uma voz num dos cantos escuros.
-Como é seu nome? – o delegado se apoiava sobre a mesa para intimidar o interrogado com seu tamanho.
-Jaques, senhor.
-Jaques? O delegado gritou – Jaques de quê? Um cabecinha chata com um nome francês? Tu é viado, Jaques?
-Não, senhor. Em Pernambuco teve colonização francesa.

Um tapa calou-lhe a boca.

-Seu cabecinha-chata de merda, acha que vai me dar aula de história agora? Tu é viado, Jaques, todo mundo sabe! Tu é viado!
-Sim, senhor.
-Diz qual foi seu crime, Jaques?
-Nenhum, senhor, só vim dar queixa na delegacia e me prenderam.
Outro tapa interrompeu a frase.
-Jaques, Jaques, Jaques! Acha que meus homens iriam te prender a troco de nada, Jaques? Você tem cara de criminoso, Jaques. Todo mundo sabe, você é criminoso, Jaques! Jaques, você é criminoso?
-Sim, senhor.
-O que você fez, Jaques?
-Na verdade eu sou professor, fui agredido por um aluno...
-Professor, Jaques? Você é professor? Que professor que nada, seu merda! Você não é professor coisíssima nenhuma! Você tá vendo escrito “idiota” na minha testa, tá? Você tá lendo “imbecil”? “Estúpido”?
-Não, senhor!
-Pois é, Jaques. Todo mundo sabe que você é um analfabeto...

Nesse momento, um risinho no escuro interrompeu o interrogatório...