Google+ O Riso e o Siso: Tatuagem de carpa

terça-feira, 17 de maio de 2016

Tatuagem de carpa

Eu tentei dissuadi-lo da tatuagem de carpa.
Quando ele me falou que queria fazer uma tatuagem achei meio complicado: o moleque é um descabeçado. Esperava que ele fosse pedir uma tatuagem de algum famoso capa de revista. Seria uma lástima, com certeza, mas talvez, menos vergonhoso.
Por que carpa? Ele respondeu que era da yakuza, embora achasse que yakuza era uma gangue, mal diferenciava se era chinesa ou japonesa e desconhecia a definição de máfia.
Eu não tenho muito conhecimento do assunto, mas me lembro que na yakuza eles tatuam o corpo inteiro, ele teria dinheiro e coragem para tudo isso? Seria aos poucos, mas também não precisava ficar igualzinho, ele disse.
Não sei, não sou especialista nem nada, mas isso soou ruim.
Pensei em sugerir um projeto de futuro mais honesto, mas lembrei que há pouco o menino dizia que seria vereador. De fato, agora compreendo que seu apelido de Deputado, na escola, não devia significar boa coisa.
Que tal um futuro mais saudável? Ele se interessava por essas coisas, musculação, alimentação.
-Que é isso pai? Acha que eu tenho cara de professor de yoga?
É, não tinha.
O moleque estava resoluto. Aos dezoito anos de idade havia juntado dinheiro e decidido sua estampa. E eu não podia fazer muita coisa, as dezenas de argumentos racionais eram rebatidos com frases de efeito e muita filosofia de autoajuda. Abri mão.
-Vai fazer a carpa onde? No braço?
-Não pai, aqui, na barriga, metade na costela... disse apontando para o lado direito do tronco
Ouvi dizer que é bem no lugar que dói horrores. Tentei alertar, mas foi pior. O moleque acha que dou conselhos para faze-lo mudar de ideia: ficou ainda mais resoluto.
Ele me disse que o tatuador deu o mesmo aviso. Mas meu adiantamento só havia deixado o descabeçado mais vacinado. Por isso falou com toda panca:
-Pode fazer cara! Eu sou ruim!
O artista passou o primeiro traço começando pela barriga, para ir acostumando o valente com a dor. Desenhou o rabo e foi subindo. O moleque mordia os beiços.
-Caramba, é isso mesmo?
Pois é, a dor começou insuportável para aquela pele tratada no Todinho e creme hidratante. Quando o traço do corpo já estava feito, viria a parte mais dolorosa, a cabeça seria desenhada na costela.
Na primeira picada o moleque gemeu. Gritou. Pediu a Deus e Nossa Senhora. Desistiu.
Ganhou uma linda tatuagem dos contornos de um peixe sem cabeça e o apelido de Bacalhau.

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