Google+ O Riso e o Siso: Dize-me teu epílogo e eu te direi quem és

sábado, 23 de março de 2013

Dize-me teu epílogo e eu te direi quem és


Delfino Anfilófio Petrúcio
Por Dr. Delfino Anfilófio Petrúcio*
(Palhaço, pára-guru filosofático de quinta categoria, PhD em Charme, Beleza, Elegância e Gostosura, formado pela Universidade de Modéstia com pós-graduação em Coisíssima-Nenhuma e especialização em Algo-Mais)

Eu já estava fechando o meu consultório, dona Bertha finalmente já havia desistido de me convencer a ir até a Venezuela tentar algum jeito de mostrar àquela família presidencial que a eternidade é um pouco longa demais para um corpo exposto, que já vimos que os tempos se sucedem, as ideias se travestem e se reviram pelo avesso, a teoria do pêndulo, coisa e tal... Foi quando pousou no parapeito da minha janela o Estéban, aquele louro assanhado, trazendo na patinha um bilhete amarrado. Senti um frio no estômago e percebi que, naquele momento, pego de súbito, não teria nada para agasalhá-lo e, além disso, compreendi que seria um risco muito alto ler a mensagem diante de um papagaio tão treinado na fala. E ela veio curta-grossa-objetiva-e-nada-bem-humorada:
– PALHAÇO PIPOQUINHA DA SILVA ENCONTRADO MORTO EM SEU CASEBRE POR OVERDOSE DE CÓCEGAS!
As coisas definitivamente sofrem de um mesmo mal nessa vida: sincronicidade. Mal eu havia deixado meu invejado corpanzil quedar-se sobre o sofá da sala de espera, eis que escuto o som dos elevadores e, poucos minutos depois, adentra no ambiente ninguém mais, ninguém menos do que Genecesyco Pessoa, meu sideral-personal-trainning, pessoa insistente que, desde minha abdução para Plutão, vem estratégica e persistentemente cercando-me com propostas indecentes...
Não tive outra alternativa, a não ser lançar-me em prantos em seu regaço, chorando copiosamente fios de lágrima furiosamente ejetados sobre o paletó verde musgo laminado de sereno multi-fractal do pobre ufólogo, quase esgotando a água que eu carregava na bombinha de lavagem intestinal guardada em local hiper-mega-giga-super-secreto e arcano que ninguém desconfiava ficar em um bolsinho falso, bem na bunda esquerda.
O pobre pigarreou, pigarregou novamente e, creiam: não é que ainda soltou mais uma série de pequenos pigarritos? Como se isso já não fosse constrangedor o bastante, levando em conta meu debulhamento em seu colete com botões de marfim sul-africano, o pobre homem ainda chegou a dar tapinhas afetuosos em minhas costas, que arrancaram do Papagaio frases que, espero me desculpem, não pretendo replicar aqui...
– O que é que você está fazendo aqui, Clarim maldito da Deusa Derradeira? – sim, foi assim que me reportei à pobre e escandalosa ave, que, desconcertada, chegou a trocar com o inóspito visitante olhares creio eu que de compaixão pela minha dor.
Então o dito cujo, como é de praxe em qualquer situação de luto, viu-se na eminência de puxar algum assunto, de registrar suas condolências, enfim... esses artifícios que, na maior parte das vezes, diz respeito mais à dor da pessoa que chora do que à partida de quem se foi...
– É a vida!
– É...
– Os bons se vão...
– É...
– Mas os maus também! Vai todo mundo, calma...
– É...
– Tome aqui um lenço...
– Nojento isso, não?
– Calma... calma... Já vi que era alguém próximo, né? Lastimável perda, fazia tempo que não vi alguém chorar assim, vai passar... O infeliz deve agora estar descansando.
– Do que?
– Perdão?
– Descansando do que, se na vida toda aquele traste só fez curtir?
– Aliás, que ideia maravilhosa essa! Por que o senhor não faz o mesmo?
– Morrer de overdose?
– Não! Espairecer, viajar, tirar uns dias pra curtir um luto gostosão num lugar calmo o bonito... Melhor do que se afogar nessas lágrimas todas, não acha?
– Água benta, que ganhei das mãos do próprio Renunciado, quando esteve em meu consultório com umas ideias que, a meu ver, realmente pareciam bem revolucionárias...

O homem permanecia com algo nas mãos, parecia um panfleto desses de promoção, algo que, sinceramente falando, eu não fazia a menor ideia do que fosse. E, a bem da verdade, pouco me importava... Mas o homem abanava o tal panfleto no meu imenso narigão vermelho, não tive como não reparar naquilo...
– Dê uma boa apreciada nessas fotos, doutor... Sei que isso vai te animar!
– Obrigado, obrigado, obrigado – respondi, nem sequer levar as tais fotos em consideração. – Sabe o que mais me impressiona num caso desse, como o do Pipoquinha da Silva?
– Veja que linda essa planície azul! Hã? O que foi?
– A overdose é uma catástrofe...
– Não nego, não, mas, veja essa linda foto aqui...
– A maldita “gota a mais”...
– Sim, que coisa, né! Então, continuando...
–A inconsciência da justa medida, uma lástima, uma dó...

Olhando com olhos de hoje, se eu não fosse palhaço, teria rido da cara do Sr. Pessoa, típica de quem quer demonstrar entendimento de algo que não faz a menor ideia do que seja... tão preocupado em acalmar meus desânimos.
– Obrigado, meu rapaz. Você é um desses anjos que o Grande Narigudo sempre nos envia em momentos de constatação do peso dessa...
– Isso! Um anjo que veio te oferecer asas, pra alçar voos longínquos nesse momento de dor... Férias!
– Ahhh... Sim? Então que me tragam alívio, meu caro, alívio dos bons... porque não consigo me livrar do horror diante da forma como foi encontrado o esquifuso e equipoplético corpo do meu amigo Pipoquinha da Silva...!!!

Percebi que havia conquistado um cúmplice! E esses encontros geralmente são sagrados, tem que ser cuidados com muito carinho, respeito e atenção, principalmente contra interferências perniciosas do meio ambiente (claro que estava me referindo a Dona Juquitinha e dona Flor de Laila, as vizinhas do 43, que dona Bherta havia descoberto, depois de anos, jeitos e maneiras de burlar a curiosidade e a potência fofoquística). Então, depois de dar uma boa checada em como andavam as coisas no corredor dos elevadores, voltei ao bom moço dos panfletos estrelados...
– Senhor, a questão é simples. É na hora da morte que revelamos indefectivelmente quem somos, o senhor pode apostar...
Senti, pela primeira vez, pelo jeito como sua mão desprendeu energia dos tais panfletos que tentava me mostrar, que a "grande certeza da vida" havia finalmente sido balançada naquele homem...
– Meu amigo foi encontrado morto, por overdose de cócegas (uma ferramenta de prazer!), diante do seu próprio espelho!!!! Ai de miiiiiim!
O homem saiu correndo e pulou... elevador adentro!
* Dr. Delfino Anfilófio Petrúcio é o alter-ego de Carlos Biaggioli (biaggiolic@yahoo.com.br)

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