Por Dr. Delfino Anfilófio Petrúcio*
Palhaço, pára-guru filosofático de Quinta Categoria,
PhD em Charme, Beleza, Elegância e Gostosura, formado pela Universidade de
Modéstia, com pós-graduação em Coisíssima-Nenhuma-e-Algo-Mais
Eu já estava a quase
meia-hora aguardando e nada da atendente. Maldita hora que resolvi usar a
internet para comprar aquelas três peças da minha máquina do Tempo, que ideia!
E justamente agora que estava tudo tão bem encaminhado para o armistício entre
Caim e Abel... que diacho! Porque vou falar uma coisa a sério, viu: ô troço
difícil de destrinchar, essa história de ciúme e inveja, afff! Só aceitei o
caso por causa de dona Bherta...
– Ah,
doutor, não custa nada, vai!
– Mas,
dona Bherta, não é que eu não queira, não se trata disso. Mas temos uma fila,
não temos? Me diga: como está o agendamento da terapia de casal de Cleópatra?
– Ah,
doutor, aquilo é caroço de angu, viu.
–
Como assim?
–
Ah, aquele um, o seu Marco Antonio, é um sabonetão. Coitada da dona Cléo. Nem
te conto. Mulhereeeeeeeengo, o traste! Não satisfeito com a renca de filho que
tirou da dona Fadia, ainda fez a festa com a dona Antonia Híbridra, olha só que
nome besta, doutor!
– Dona
Bherta, nós temos um compromisso ético de jamais...
– Ára,
bobagem! Seo Marcantonho não parou aí, não. Antes de cair nos braços da dona
Cléo, passou ainda no bem-bão da dona Fúlvia e da dona Otávia
–
Minha paciente é a Rainha do Nilo!
–
Essa sim, viu! Da pá virada... Vida intensa, doutor! Afff...
– Pelo
amor do Grande Narigudo, dona Bherta, que falta de compostura científico-moral!
Além do mais, criatura...
–
Não aprecio quando o doutor me chama assim. Se me dá licença, vou para minha
sala fazer...
–
DONA BHERTA! Vamos, abra o jogo. O que foi que a senhora resolveu aprontar no
meu consultório, dessa vez?
–
Foi preciso, doutor Delfino!!! Eu nunca faço por mal. Eu sou do Bem!
– Quantas
vezes vou ter que lhe pedir para parar de uma vez por todas de usar minha
Máquina do Tempo como se fosse brinquedo?!
Para
que?! A mulher colocou as mãos na cintura e eu sabia muito bem o que aquilo
queria dizer. Lá viria uma lamúria imensa, uma ladainha infinita sobre “tudo o
que ela já fez por mim, por meu consultório, por meus clientes, pelo país e
pelo planeta em todas essas décadas em que vem servindo como fiel escudeira de
um louco amalucado” e blá-blá-blá... Só para você ter ideia, teve uma vez em
que, não satisfeita, subiu no parapeito da janela do consultório e recitou todo
o monólogo de Hamlet, usando um dos
meus sapatões de estrelas aboboradas à guiza de caveira.
–
Eu não faço nada por mal, doutor! O que acontece é que...
–
Sim?
–
É que, às vezes... não muitas vezes, evidentemente...
–
Desembucha logo, dona Bherta!
–
Bem, admito que há ocasiões em que me equivoco. #prontofalei
Isso
já havia acontecido outras vezes, mas fiz vista grossa. Até porque, nos dias de
hoje, não está nada fácil arrumar uma secretária como dona Bherta... quase mãe!
–
Qual foi o plano original dessa vez, se é que posso saber?
–
Bem, doutor, não sei se, eticamente falando, seria correto eu ferir o sigilo...
–
DONA BHERTA!!!!
–
Talvez o doutor aceite uma chuva de bolinhos de confetes, antes, com chá de
cócegas? Posso preparar num instantinho, não me cus...
–
A senhora conhece o caminho do departamento pessoal? – às vezes, o blefe é um
ótimo caminho.
–
Grosso! Está bem, está bem... eu falo. Mas, antes de mais nada, que fique bem
claro que eu só faço tudo por bem, porque eu sou do Bem!
–
Qual foi o equívoco, dona Bherta?
–
Eu... sabe como é, né, doutor... a gente tem curiosidade! Hihihihi! – odeio
quando ela dá essas risadinhas pseudo-pueris! – Então. Eu sempre quis saber,
curiosidade feminina, sabe...
–
Não saberei até a senhora me dizer...
–
Sim, sim, claro, eu sei...
–
Então?
–
Pois então, essas coisas ninguém conta e o povo fala, passa o tempo, quem conta
um conto aumenta um ponto e o conto ganha reconto e perde desconto e aí, o
senhor sabe, fim de papo e ponto.
–
...
A
mulher já ia se retirando quando flagrei o golpe.
–
DONA BHERTA!!!! Por acaso a senhora está vendo um P de “Palhaço” impresso aqui
na minha testa?
Ela
olhou atenta e demoradamente...
–
Na testa não, doutor. Somente em todo o restante.
–
Quer me fazer o favor de dizer de uma vez por todas para onde é que a senhora
quis ir na minha Máquina do Tempo?
–
Está bem, chega. Eu confesso. Vou me sentir mais leve, mais plena, mais mulher
depois disso...
–
Ai, meu Grande Narigudo!
–
Eu nunca aceitei de corpo e alma aquela história de virgindade... quis tirar
aquilo tudo a limpo, como o senhor não estava e eu já tinha encerrado meu
expediente aqui no consultório, achei que não seria nada mal dar um pulinho lá
e ver como as coisas se passaram... Sabe, conferir no tete-a-tete, como se diz
hoje em dia!
–
Dona Bherta... – congelei. – A senhora não teria...
–
Ah, não, o senhor que me desculpe, mas sai pra lá que o charnel aqui é de
bofofó! Ou o doutor pensa que eu, aqui, no auge das minhas tantas décadas, ia
cair na lorota do anjo que veio e palalá e pololó e tudo ficaria no
dito-pelo-não-dito-e-viva-o-benedito?
–
A senhora, por favor, tenha mais respeito com a mitologia alheia, porque, se tem
coisa que...
–
Ora, vamos deixar de lérias, doutor! E o pobre do marceneiro, ninguém quis
saber como se sentiu?
–
Dona Bherta, por favor! Isso é um terreno perigoso, pode manchar a reputação do
meu consultório... Vão falar em desrespeito, posso perder clientes!
–
Mas por que isso aconteceria, doutor? Só porque eu quis visitar e conversar com
meu tio-avô, que criou o filho que a esposa teve com aquele galego chamado de
Anjo?
Por
questão de precaução, mandei-a cancelar a terapia de casal de Cleópatra e Marco
Antonio e deixar para o futuro a reconciliação de Caim e Abel...
* Doutor Delfino é o alter-ego do escritor
Carlos Biaggioli (biaggiolic@yahoo.com.br)
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