Google+ O Riso e o Siso: Tratamento Tarja Preta pra Papagaio de Pirata

sábado, 20 de abril de 2013

Tratamento Tarja Preta pra Papagaio de Pirata


Por Dr. Delfino Anfilófio Petrúcio*
(Palhaço, pára-guru filosofático de quinta categoria e PhD em Charme, Beleza, Elegância e Gostosura, formado pela Universidade de Modéstia com pós-graduação em Coisíssima Nenhuma e especialização em Algo-Mais)
Estava eu em meu iglu no Polo Sul, para onde vou aos finais de semana com Atadolfa e as crianças (Agripina Popish, Lolys de Loliis e Diolindo Porcento). Jantávamos brigadeiros com vinho de bolhinhas de soda anil e falávamos de coisas sérias da vida, tais como o atendimento que precisei fazer a cada um dos sete anões depois que o Príncipe, segundo eles, “se atreveu a beijar Branca de Neve”, o que tirou de cada um dos quais a oportunidade tão acalentada durante os tempos que a branquela viveu entre os nanicos. Diolindo sempre se identificou muito com os Anões, principalmente com seu ídolo, o Zangado. Lolys, por sua vez, melotragicodramática como sempre, não se conformava com o destino dado à pobre maçã...
– Como pode, budias (é assim que ela me chama)? Sempre a culpa é da pobre da maçã, tadinha? Primeiro a Eva! Depois a Branca de Neve! Depois o Steve Jobs! Que falta de respeito com uma frutinha tão vermelhinha, redondinha e gostosinha, gente! Buááááááááá... – Aí, era meia hora de choro trágico, até que simplesmente parasse, abrisse um sorrisão de leste a oeste e se curvasse, pedindo nossos aplausos – coisa que só pararia de fazer quando lhe entregássemos a velha estatueta do Oscar de sempre... um TOC, praticamente.
Mas não vamos nos desviar do assunto, porque hoje eu não to nada bom... e quando eu não to bom eu fico pior ainda. E mais ainda quando sou interrompido pelo pouso do meu Papagaio-Correio bem na hora que dona Atadolfa Broshaska me preparava uma deliciosa Chuva de Bolinhos! Não adiantou nada simplesmente ignorá-lo, até porque, convenhamos, quando um papagaio resolve se manifestar, haja! E o mais curioso que geralmente se nota nesse tipo de manifestação é que o dito-cujo é um imitador! E o mundo tá bem lotadinho de casos assim, não é mesmo? Papagaios gritões, até divertidos se a gente não aprofunda muito o olhar nem a escuta... porém, no mais fundo fundo do mais profundo e intrínseco fundo do lado mais interior de dentro, se a gente reparar bem, dá com as fuças naquilo que a imitação traz de vivo em si. E aí...
E Vincent Vermonth, este meu papagaio, vem de linhagem nobre, já que é filho e neto de papagaios da minha família. O pai de Vincent serviu a meu pai, o Palhaço Contador. E o avô dele, a meu avô, o Palhaço Murruga. Meu avô era capaz de jurar com a mão na bíblia que a linhagem dos nossos papagaios-correio ia fatalmente dar nos anos de 1700, nos mares antigos, a era dourada dos imensos navios piratas... Pode até ser, porque, sendo um filhote do outro, pelo jeito os papagaios da nossa família conviveram entre si e, portanto, imitaram uns aos outros. Entre bravatas da minha esposa Atadolfa e exclamações de baixo calão certamente apreendidas na quitanda do Leopoldão, Vincent vive incutindo em seus discursos e monólogos nomes como Barba Negra, Bartholomew Roberts, “Calico Jack” Rackham, William Kid ou “Black Bart” Roberts, cruéis bandidos do mar – um saco, pois minha filha Agripina Popish logo vem de dedo em riste querer convencê-lo de que, no Brasil, a pelo artigo 13º da Constituição vigente, o idioma a ser praticado oficialmente é a Língua Portuguesa. E, por fim, dava dó de Vincent sempre que Diolindo, meu caçula, resolvia brincar de Caça ao Tesouro...
Enfim, a mensagem trazida por Vincent já vinha com mau agouro: estava amarrada na sua patinha esquerda, o que, por si só, na minha família, já significava um código. Atadolfa percebeu no ato – tanto que, ao distrair-se, levou um bolinho bem no olhão direito, o que aumentou em meio-grau a diametragem bilateral da longetudinidade do seu globo ocular esquerdo (pois o Grande Narigudo escreve certos por linhas tortas, como se sabe). Abri a mensagem:
-- Ele está no seu consultório. E não está nada bem, doutor. Bherta (sempre)
Sem nem sequer saber do que se tratava, Atadolfa sacou imediatamente que se tratava de algo de suma importância. Sinal claro disso: foi pular Amarelinha, que é o que sempre faz quando quer me dizer: “Vai logo, seu monstro, abandona sua família, desalmado impertinente que eu amo tanto”. Portanto, fiquei feliz em saber que tudo ficaria bem, na minha ausência. O importante agora era encontrar e atrelar ao meu trenó chinês Sigmund, Carl e Wilhelm, meus três huskys siberianos. Deixei isso a cargo de Lolys de Lollys, minha filhota do meio. Ela já aprendeu como atraí-los...
– Ah, Budibú (é assim que ela também me chama!), é fácil. Pra chamar o Sig basta soltar a Amalie Nathanson, sua mãe. Funciona sempre!!! O Carl eu boto pra dormir e falo coisas na orelhinha dele, criando símbolos em seus sonhos... E o Wilhelm, Budias... bem, prefiro não comentar os meus métodos com ele!
Estava absolutamente sem tempo para destrinchar esse pepino e o deixei aos cuidados de Atadolfa, afinal: “mãe é mãe”. E o fato é que deu certo. Em pouco tempo lá estava eu a mil por hora em meu trenó, rumo ao meu consultório, situado em local secreto ao sul do hemisfério sul. Durante todo o trajeto, uma forte preocupação, que, por incrível que possa parecer, nada tinha a ver com a grande parte da mensagem, mas, sim, referia-se à última palavra: sempre. Quando dona Bherta a colocava após – e não antes – sua assinatura, eu compreendia muitíssimo bem o recado:
– Podemos falar sobre aumento de salário?
Quando cheguei ao consultório, “ele” realmente estava lá. E realmente não estava nada bem. E realmente, considerando a carteira de trabalho dependurada no pescoço, dona Bherta estava decidida a falar sobre esses assuntos mundanos comigo, o que geralmente me desconcentra demasiado, nessas horas de apuro profissional. E realmente percebi que, antes de mais nada, precisava desopilar: abri minha torneira de choradeira e pronto... como num passe de magia, vi-me livre da carteira de trabalho de dona Bherta, que saiu aos piparotes, o que gerou uma tossidela n“ele” – o que equivalia a uma frondosa gargalhada.
– O que se passa, dessa vez? – desferi, a queima-roupa.
– Sou o que, afinal?
Oh, meu Grande Narigudo! Existencialismo, nessa altura do campeonato? A resposta imediata que me vinha na cabeça era: um bolinho de chuva!!! Mas preferi ouvi-lo mais, afinal de contas, “ele” (cuja identidade não estou autorizado a revelar) é “ele”...
– Eu simplesmente não consigo, não consigo simplesmente...
– Tente, eu tenho certeza de que você vai conseguir...
– Ok... – respirou fundo, olhou-me nos olhos e disse, numa só golfada – Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro!
– Ops!
– Mas é o que eu penso! É o que eu sinto!!!
– Mas não é "seu" o pensamento, nem tampouco a frase. É de Clarice Lispector. Vamos, tenha coragem! Assuma! Assine!
– Assumir-me...?
– Isso é vampirismo!
– Meu único consolo: a solidão profunda, escura, uma solidão mortal.
– Ah, que bonito...
– Sinto isso, muito em mim...
– Pode até ser... mas a frase é de Mary Shelley, em "Frankenstein"...
– Ah, é, é? Hum...
– Você tem um tesouro incrível guardado no baú imenso da sua própria memória... Tente!
– Ok, agora eu consigo!
– Tenho absoluta certeza... vai que é tuuuuuuuuuuuuuuuuuuuua!
– Arrá!!! Galvão Bueno!!!
– Foi maus. 
-- Prossiga...
– A vantagem de ter péssima memória é divertir-se muitas vezes com as mesmas coisas boas como se fosse a primeira vez.
– Nietzche...
– Olha, que eu nem tinha reparado...
– E pior: primeiro resultado de busca no Google...
– O que eu sou, doutor.
– Um papagaio de pirata!
– AMADORRRRR!!!!! – gritou Vincent, empoleirado sobre a carteira de trabalho de dona Bherta.
Prescrevi a "ele" dez dias de tratamento intensivo diante do espelho. É tratamento tarja preta! Comigo é assim. Ninguém me tira do meu iglu impunemente...
* Palhaço Delfino é o alter-ego do escritor Carlos Biaggioli (biaggiolic@yahoo.com.br)

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