Google+ O Riso e o Siso: De presciente e onipotente todo louco tem um pouco

domingo, 12 de maio de 2013

De presciente e onipotente todo louco tem um pouco


por Dr. Delfino Anfilófio Petrúcio*
(palhaço e para-guru filosofático de Quinta Categoria, PhD em Charme, Beleza, Elegância e Gostosura, formado pela Universidade de Modéstia, com pós-graduação em Coisíssima-Nenhuma-e-Algo-Mais)
Não é muito comum isso acontecer, mas resolvi aceitar o convite de Dom Vespúcio e fui, na companhia de meu amigo, o Palhaço Genecésico Fofo Pessoa, a um churrasco oferecido em casa de meu prestimoso editor. Afinal, sabem como é que é, não é? Não sabem? Bom, tudo bem. No fim das contas, até hoje eu questiono se até mesmo o Sabiá sabia realmente assobiar...
O gramado da mansarda de meu editor estava repleto de crianças, cachorros brincando e muita gente falando pelos cotovelos. A convite de Genecésico, sentamos-nos sob um frondoso pé de laranjas limas, a espera de que alguma delas despencasse sobre nossas cabeças, fazendo-nos parir ideias fabulosas. Mosquito vai, moriçoca vem, ele resolveu puxar assunto – algo leve, ameno, assim... para distrair enquanto não passavam a bandeja com espetinhos de bolhas de sabão grelhadas.
– Delfino, seu tratante.
– Hum...
– Você acredita na presciência de Deus?
– Fofo!!! Você tem certeza de que quer mesmo conversar sobre algo tão... tão... tão... trivial? Há tantos assuntos mais relevantes, tais como as diversas embocaduras que o ser humano consegue produzir para tirar música ao expelir seus próprios gases...
– Hoje é domingo, dia de descanso, doutor! Vamos relaxar, falar de coisas mais amenas, que tal?
– Deus?! Oquêi... Presciência, então.
– Vem comigo, então... Se Ele sabe tudo que vai acontecer, por que diabos...
– Ops!!!
– Foi maus. Por que Ele deixa o Mal acontecer?
– Bem, deve ser pelo mesmo motivo que o trapezista se lança no vazio, na certeza de que tem um braço pra apanhá-lo ou a rede, lá embaixo, pra ampará-lo, sei lá...
– Não vi muito cabimento no que acabou de dizer, mas, se foi dito por você, pode ser...
Apanhei e sorvi quase num só gole um copo duplo de groselha com polpa de gargalhada concentrada – faz bem pro fígado, Atadolfa, minha esposa, praticamente me obriga a tomar um desses dia sim e dia com certeza...
– Então, tá! Ele tem ciência de tudo...
– Bingo. Vamos rolar um pouco na grama agora, Fofo?
– Vamos, sim... Mas, antes, me diz...
– Ai!
– Como pode Ele castigar um erro que Ele já teria ciência, que já estaria pré-anunciado?
– Bem, creio que...
– E, se o tal do erro já estava anunciado é porque era predestinado, não acha?
– Ah, o Destino! O que é o Destino senão o desatino com o qual me afino e desafino, na propina que me ensina o sol a pino?
– Anh?!
– Nada. Só uma sequencia de rimas, pra não perder o traquejo, Fofo. Falávamos sobre o que, mesmo?
Nesse momento, uma algazarra fora do comum começou a chamar a minha atenção. Um grupo de pessoas gesticulava eloquentemente ao redor da churrasqueira. Devia ser algo de fato muito acalorado, pois, ao redor delas, havia já uma boa quantidade de gente, meio que na condição de “torcida”. Fiquei curioso e tentei ir para lá, porém, ao me levantar, bati com a careca num galho baixo e uma laranja lima despencou sobre o meu cucuruto.
– MERDA!
– Não!!! O nome certo é EUREKA, Delfino!
– Que seja...
– Teria essa laranja sido predestinada, meu caro doutor?
– Sei lá, mas vou mandá-la pro bucho e é agora mesmo...
– Delfino do céu! Você não vê?
– Sim, claro que vejo. Vejo uma churrasqueira soltando um bom bife de risada acebolada, saindo no ponto... E, pelo jeito, tá rolando um fuzuê ali, porque...
– Delfino! Se tudo é predestinado, então não existe o tal do “livre-arbítrio”, percebe?
– Percebo que aquela colina deve estar uma delícia pra descer de tabua-esqui, isso sim!
– Sim, sim, mas, antes, me diz: se o livre-arbítrio existe, é porque ele não é algo determinado, certo?
– Ah, a Liberdade! Idade da verdade que arde na parte mais beldade que há na verdade das idades...
– Rimas, de novo?
– Não. Falta de assunto, mesmo...
A coisa ao redor da churrasqueira estava esquentando. Havia um grupo de pessoas de cada lado, isso estava cada vez mais claro. E um cachorrinho aflito, abanando histericamente a cauda, aparentemente tentando chamar a atenção dos dois lados da contenda. Dedos em riste e indicadores apontados entrecruzavam-se compondo um cenário de... de... embate... E Genecésico não largava do meu pé!
– Então, Delfino, meu caro, se o livre-arbítrio é algo não-determinado, logo Deus não sabe!!!!! EUREKA!!! E sem necessidade nenhuma de laranja no meu cucuruto-da-longa-testa!!!
– Fofo... está acontecendo alguma coisa ali na churrasqueira, você não está percebendo?
– Deus que sabe!!! Ele não sabe tudo? Se Ele sabe tudo, então é “destino” e não “livre-arbítrio”, concorda?
A coisa estava engrossando lá... e pelo eco consegui perceber que o perrengue girava em torno da questão do sal... Sal??!!!
– Vamos já pra lá, Fofo. Parece que a coisa lá tá séria...
– Vamos, vamos, claro. Mas reconheça, antes: se Deus tem presciência, quer dizer que Ele sabe!
– Sabe, sim. Pronto, vamos lá agora...
– Mas se Ele sabe e mesmo assim tem a questão do livre-arbítrio, Delfino, então o Dito-Cujo só assiste...
– Sim, de pleno acordo. Mas vamos lá, que o bicho está pegando... e isso pode interferir na minha comida. E eu estou com uma fome daquelas, Fofo!
– Sem dúvida, sim. Mas, antes, me conta: Deus não interfere no livre-arbítrio!
– Não...
– Mas Ele é presciente, então o livre-arbítrio seria algo predeterminado!
– Sim...
– Então, não é livre-arbítrio!
– Não...
Odeio quando Genecésico entra nessa vaibe. Não por suas ideias, que são sempre muito boas... Mas ele realmente precisa ficar de pernas para o ar, remelexendo daquele jeito melecoso os vinte dedos dos pés e o quadril?
– Fofo, eu vou ver o que está acontecendo lá, você vem?
– Claro que vou, calma. Só quero chamar a sua atenção pra um pequeno detalhe...
– O Sal, doutor!!! O SAL!!!! – era dona Bherta correndo desengonçada na nossa direção. Como é que ela sabia que eu estaria neste churrasco?
– Fofo, eu não posso ficar mais tempo nesta conversa...
– Você não pode porque não é Onipotente, como Deus costuma se chamar!
– Anh?!
– Como é que Ele pode, não podendo? Se é assim, Ele não é onipotente!!!
– Doutor, Dom Vespúcio precisa da sua ajuda, doutor... – dona Bherta estava realmente aflita e, mesmo sabendo que aquilo me contrariaria muito, apontava para um baú que trouxe do meu consultório. – Sua máquina do Tempo, doutor. Acho que vai ser útil, naquele furdúncio...
Sem prestar mais atenção a nada que não fosse o baú, tomei o rumo da churrasqueira, com Fofo blablablando no meu encalço...
– É possível um Deus que, ao mesmo tempo, seja onipotente mas não tenha pré-ciencia das coisas, Delfino?
– Pergunta pra ele, Fofo!!! – realmente aquilo estava começando a me irritar.
– Eu pergunto! Mas Ele não responde... Então, fico perguntando a mim mesmo: se Deus sabe tudo que vai acontecer, por que Ele deixa acontecer? E como Ele pode castigar um erro já anunciado? Se já é anunciado, é porque é predestinado, então, assim sendo, não há livre-arbítrio, portanto não é algo determinado! Não sendo algo determinado, então, meu caro, quer dizer que Deus não sabe! Mas Ele não sabe tudo?! Então é destino e não livre-arbítrio!
– Dona Bherta, tente trazer meu amigo Genecésico de volta, por favor...
– Pois não, doutor, mas ande logo, porque a coisa ali tá saindo dos eixos e o senhor precisa agir rápido.
– Depois vamos conversar, viu, dona Bherta... sobre a senhora aparecer aqui, e ainda mais trazendo minha máquina do Tempo...
– Sim, sim, depois, depois... Agora vá!
Dito isso, eu me afastei, mas não sem ter me chocado ao ver dona Bertha parar diante de Genecésico Fofo Pessoa e simplesmente levantar a blusa, exibindo-lhe o par de seios despencados dos píncaros dos seus mais de setenta anos de idade...
(to be continued...)
* Doutor Delfino é o alter-ego do escritor Carlos Biaggioli (biaggiolic@yahoo.com.br)

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