Google+ O Riso e o Siso: Da Vinci na Babel do Tempero...

domingo, 26 de maio de 2013

Da Vinci na Babel do Tempero...


por Dr. Delfino Anfilófio Petrúcio*
(palhaço e para-guru filosofático de Quinta Categoria, PhD em Charme, Beleza, Elegância e Gostosura, formado pela Universidade de Modéstia, com pós-graduação em Coisíssima-Nenhuma-e-Algo-Mais)
Quando eu me afastei do meu amigo, o palhaço Genecésico Fofo Pessoa, para ir ver que furdúncio era aquele ao redor da churrasqueira do meu editor Dom Vespúcio, ainda encontrei um lapso de tempo para me chocar ao ver minha fiel escudeira e secretária, dona Bertha, postar-se diante dele e simplesmente levantar a blusa, exibindo-lhe o par de seios despencados dos píncaros dos seus mais de setenta anos de idade... Sei que Genecésico tem todas as condições de arcar com as surpresas que se lhe apresentam ao caminho, mas confesso: não sei de onde foi que dona Bherta tirou a prestimosa ideia de usar seus jurássicos peitos para distrai-lo com um mórbido malabarismo, feito aquele que ficou a fazer, usando as mamas e o medalhão de Santa Santa da Santíssima Santidade.
Cada espaço tem seu tempo e cada cena tem seu foco! (Gostaram da frase? Sinto que ela tem um efeito bacana, causa uma forte impressão de “bagagem”, não causa? Eu acho isso o must!) Conforme eu ia me aproximando do epicentro do furdúncio, ficava cada vez mais claro que o ser humano ainda não desistiu da velha Babel. Ao me ver, Da Vinci apontou com toda força a própria cauda para o céu, levantou as duas orelhas enormes e literalmente galopou na minha direção, arfando e gemendo uns latidinhos entrecortados, como se tivesse visto realmente uma luz no final do túnel. Eu o acarinhei um pouco, atento ao vozerio que me chegava da churrasqueira...
– Mas cadê o sal? – gritou o gordão com cara de foca para um palito-branquelo.
– Tem sal grosso e sal fino.
– Você pode tirar o seu narizinho do picadeiro, seu biltre, que eu é que não vou me rebaixar a comer algo temperado com sal grosso! Ah, mas não vou mesmo, era só o que me faltava!
– Ah, é?! Melhor, sobra mais!
– Pois que se entupa, esfomeado da plebe!
Logo vi onde é que eu estava metendo o meu nariz, ali. Dom Vespúcio, o anfitrião, olhava taciturno para cada lado, cada qual argumentando e rebatendo os argumentos contrários com paixão sem cabimento. Enquanto eu tentava me localizar e analisar as possibilidades de intervir propositiva e acertivamente, Da Vinci gania de fome, empertigado com a caixa que continha a minha Máquina do Tempo, trazida ao churrasco do meu editor (sei lá porque cargas d´água) por dona Bherta...
Logo vi que a coisa era bem maior do que aparentava a olhos nus. Além da contenda classial que se configurava entre os que exigiam o sal fino em detrimento de quem não estava nem aí para o babado e o sal grosso estava de bom tamanho já que o destino da gostosura é o mesmo seja que tempero for, ou seja, “o portal do fiofó”, havia também a turma dos naturebas, com suas teorias de saúde e pureza.
– Olha pra mim, vê se eu tenho cara de antiquário? – gritou uma adolescente, com o dedo em riste e a outra mão agarrada na própria anca. – Sou moderna, fina flor da civilização, tão entendendo? Meu negócio é sal refinado, iodado.
– Então vai comer plástico, guria! – gritou uma velhota, abanando e quase esfregando nas fuças da garota uma receita escrita a mão por seu avô.
Eu precisava tomar algum partido, interferir naquele caos para harmonizar as energias e defender o meu naco, já que meu estômago começava a fazer de meu duodeno o seu aperitivo. Mas confesso: não tinha a menor ideia de por onde começar, em meio àquela guerra...
– Você é uma anta, não sabe o que diz!
– Anta, eu? Você que é um hipócrita tentando aliciar as pessoas para se beneficiar!
– Hipócrita é você!
– Você é um hipócrita.
– Você que é um hipócrita.
– Você é um hipócrita.
– Você que é um hipócrita.
– Você é um hipócrita e um safado.
– Você que é um hipócrita! depois de alguns segundos ele percebeu: Safado? Safado? Safado é você seu mentiroso!
Dei uns passos e me aproximei do epicentro, mal percebendo o desespero de Da Vinci, abanando furiosamente a cauda e cafungando com toda força a caixa que continha minha Máquina do Tempo.
Cheguei com um sorriso pensado, certo de que seria o suficiente para trazer a turba enfurecida ao auto-controle. Agora... de onde tirei a ideia de que isso, somente isso, seria suficiente, creio que deva creditar a um grau de arrogância de minha parte.
Quem antes assistia e tomava partido passou a ser espectador daquele circo de horrores, capitaneado pelos mais apaixonados, ao centro do debate, tentando agitar os demais e arregimentar adeptos. Mas havia a fome. Da Vinci, a essa altura do campeonato, ao invés dos latidos gritados, já chegara às raias da guerra e, deitando-se de costas, usava a própria coceira para alvejar os debatedores com suas melhores pulgas, de tão esfomeado que se sentia. E não arredava o pé de perto do contêiner contendo minha Máquina do Tempo...
Enquanto o dantesco debate girava em torno do modo mais conveniente de se temperar um churrasco, ou talvez do modo mais tradicional, ou o mais prático, o mais saboroso, Dom Vespúcio girava em torno de si mesmo, certamente crente de que, assim, estava de alguma forma buscando encaminhar o perrengue. Aproximei-me e perguntei o que ele achava daquilo tudo. Sua resposta me deixou preocupado:
– Enquanto umas barrigas berram, Delfino, outras roncam...
– E o que você conclui disso tudo, Dom Vespúcio?
– Que é assim, justamente assim que caminha a humanidade!
Percebi que não havia mais tempo algum: eu precisava agir. Olhei para trás e encontrei dona Bherta ensinando Genecésico Fofo Pessoa a desatarrachar os parafusos da caixa para liberar a minha máquina. Não estava sendo uma tarefa nada fácil, pois Da Vinci, tão eufórico que estava por finalmente ter conseguido um nível de comunicação salutar com algum ser humano daquela paróquia, não deixava o serviço ir a triunfo, de tanto que pulava de um lado para o outro, passando por cima da caixa e, assim, mais atrapalhando do que contribuindo.
Dona Bherta não ia conseguir sucesso algum, tendo Fofo por parceiro, pois, a essa altura do campeonato, lá estava ele já aboletando-se em uma senhora que se abanava de tanta fome:
– Se a senhora me permite um aparte...
– Mas eu nem falei nada, palhaço!
– Sim, mas o silêncio, sem dúvida nenhuma, é de uma eloquência tamanha quando a alma não é pequena...
– Tá tirando um sarro da minha cara só por causa dos meus dois metros de altura, é?
– De forma alguma, já que estás mais perto da sapiência divina do que nós, meros mortais, e se me permite a ousadia, tenha-me entre os seus, já que por meu lado eu também não conto entre os nanicos da sociedade comum...
– Tá me importunando por que, posso saber? Tem alguma novidade, alguma notícia sobre o tempero ideal pra essa m... de carne que não sai nunca?
– Sim, sim, justamente nesse sentido estamos tentando desparafusar aquela caixa...
– E eu com isso?
– Talvez a senhora, no alto de sua inteligência, tenha condição de esclarecer algo de suma importância para que eu tenha condições de esclarecer à Dona Bherta, aquela gentil senhora, o motivo pelo qual o parafuso fecha para a direita e abre para a esquerda. Seria, talvez, por alguma questão político-ideológica, senhora?...
– Sem dúvida, claro. Enquanto eu explico, o senhor prefere ir catar coquinhos ou ir ver se eu estou lá na esquina?
– Bem, considerando o quadro de fome geral, creio que, se eu for catar coquinhos e eles não existirem em quantidade suficiente para essa quantidade de convivas. Agora, eu até poderia ir checar se sua simpática presença estaria impressa na próxima esquina, mas me depararia com dois pequenos revezes: o primeiro é que, segundo Newton, um mesmo corpo não pode estar, ao mesmo tempo, em dois locais físicos diferentes, não é? E, mesmo que possível fosse, não vejo esquina alguma por aqui, senhora...
Nesse momento, antes que o guarda-chuva da mulher lhe acertasse em cheio o Terceiro Olho, Fofo agachou-se e o guarda-chuva foi espatifar-se bem no centro da caixa, abrindo-a imediatamente, para o desespero alegre de Da Vinci, que rolava de um lado para o outro no gramado, chamando a atenção de todos, inclusive de Dom Vespúcio, que (sabe-se lá por que cargas d´água) estava regando suas papolas, nesse momento.
– Ah! Muito gentil, obrigado, senhora! – curvou-se Fofo Pessoa, livrando-se de uma bofetada que atingiu a própria remetente, fazendo-a rolar colina abaixo, feito um palito em queda vertiginosa.
Chegamos todos juntos, Dom Vespúcio, eu, Dona Bherta, Genecésico Fofo Pessoa e Da Vinci, seguidos de alguns curiosos, que, por sua vez, já acenavam para outros curiosos em potencial. Cercamos a máquina do Tempo, cujo forte zumbido já estava substituído por um chacoalho geral, típico de quando está para finalizar o transporte de alguém importante, vindo de algum ponto da História Humana...
E, de repente, a fumaceira de sempre e o silêncio...
– Vocês querem falar sobre o sal? Vamos lá...
Era Gandhi, o Mahatma em pessoa.
(to be continued...)
* Doutor Delfino é o alter-ego do escritor Carlos Biaggioli (biaggiolic@yahoo.com.br)

Continua em: De 14-bis, Moisés e Gandhi tiram o sal de Mongaguá

Link Relacionado: Churrasco de Domingo

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